Existe uma distância, enorme, entre a palavra “CARIDADE” e a ação, real, de caridade. A palavra “CARIDADE” é muito usada como desculpa para aliviar o peso na consciência, ou se fazer de coitado, vítima da vida. Outros usam a “CARIDADE” para justificar sua pretensa bondade, sua salvação, e até como vaidade, ela é muito usada. Será que se faz tanta caridade quanto se fala de caridade? Aqueles que dizem fazer caridade têm ideia do sentido mais profundo da palavra?

Na Umbanda, todos dizem fazer a caridade e, quando pedimos para explicar que caridade é esta, ouvimos os conceitos mais variados. Muitos dizem fazer a caridade para seus próprios Guias, para que estes evoluam, o que é uma inversão completa de papel: acreditar que o médium deve trabalhar incorporado, ceder seu corpo, para que seus mentores espirituais possam evoluir! Neste contexto, encontramos médiuns que acreditam estar fazendo “o favor” de frequentar uma Tenda de Umbanda e incorporar espíritos. Trabalham de má vontade, trabalham por obrigação, porque fazendo esta caridade estão comprando um “terreninho” na Aruanda. Fazem esta caridade de incorporar espíritos para saldar suas dívidas, para “limpar” ou “queimar”seu carma. São tão caridosos que, com muito custo e dificuldade, abandonam suas atividades fúteis para vestir o papel de bons samaritanos, juntando fileiras de preguiçosos que acreditam já fazer demais só por ir uma vez na semana ao Terreiro, incorporar e atender com seus Guias. Justificam sua falta de doutrina, sua falta de estudos, sua letargia cultural, alegando que não precisam saber de nada, pois seus Guias sabem de tudo.

A única coisa que precisam fazer é esta caridade. Que caridade é esta?

Outros, em nome da caridade, se deixam explorar apenas para se fazerem de coitados, de vítimas da vida; são como crianças que desejam estar doentes para ter a atenção dos pais. Afirmam que seus Guias ajudam a todos, menos a eles mesmos. Vivem falando da ingratidão alheia e que esta é a moeda pela qual se paga sua preciosa caridade. Se orgulham de não ter nada e, se vivem mal, às vezes na sujeira, chamam isso de humildade.

Sua caridade é a única coisa que sobrou para chamarem a atenção alheia. Querem ser tratados como coitados que tudo fazem para ajudar sem aceitar nenhum tostão, frase que vivem repetindo como papagaios: dar de graça, o que recebemos de graça. E logo emendam que o preço da caridade é ingratidão, já que sua caridade não é um fim em si, mas sim um meio para alcançar algo. Neste caso, esperam que o outro se sinta em dívida para consigo, estes mesmos a quem ele diz ter feito “caridade”. E se não recebem o reconhecimento, logo passam a praguejar as mesmas pessoas que afirmam ter ajudado tanto.

Existem os tais caridosos, sacerdotes e dirigentes, que pagam todas as contas e despesas do Terreiro sozinhos.Não ensinam a seus médiuns o valor sagrado da colaboração e manutenção de um templo. Postura cômoda destes dirigentes, que usam esta condição para tratar mal as pessoas, humilhar e expor ao ridículo seus médiuns, quando estes não lhes agradam. Dizem aceitar a todos os médiuns, dizem que o Pai ou a Mãe não pode escolher os filhos, devem aceitar a todos que chegam, porque esta é sua caridade, mas, às escondidas e até abertamente, falam mal dos mesmos filhos, ironizam e desdenham, dizendo que médium é assim mesmo, só serve para dar desgosto.

Na época de Kardec, o Catolicismo afirmava que: “Fora da Igreja não há salvação” e, por isso, Kardec afirmava que: “Fora da caridade não há salvação”. O Caboclo das Sete Encruzilhadas define a Umbanda como: “A manifestação do espírito para a prática da caridade”. Mas o que é esta caridade?

Muitos dizem que é “dar de graça, o que recebeu de graça”, mas ao mesmo tempo usam esta mesma frase para atacar tudo que acreditam não estar de acordo com a sua caridade. A caridade é uma virtude e “a virtude nunca espera recompensa”. A virtude não é um meio para se alcançar algo; virtude é um fim em si mesma, virtude é uma qualidade. Quem tem a virtude de fazer o Bem, faz por prazer puro e simples. Qualquer interesse anula automaticamente o benefício da caridade. Jesus dizia que “os últimos serão os primeiros a entrar no Reino”. E logo surgem aqueles que se esforçam para ser os últimos com o único interesse de ser o primeiro. Os últimos são os desapegados de qualquer resultado. O apego ao desapego continua sendo apego e estes “últimos”, forjados, nunca serão os primeiros.

A caridade é o resultado de uma ação fundamentada no amor e na verdade, com total desapego de resultado ou julgamento.

 

CARIDADE E A LENDA DE BODHIDARMA

Conta-se que um homem conhecido como Bodhidarma foi quem levou o Budismo zen (chan, dhiana) da Índia para a China. Ao chegar na China, já havia inúmeros templos dedicados ao budismo. Como sua fama o precedeu, Bodhidarma foi chamado na presença do imperador Wu.

O imperador afirmou ter construído muitos templos e apoiado o budismo durante anos e, então, perguntou ao Bodhidarma qual mérito ele havia alcançado por fazer tantas obras em nome do Budismo. A resposta foi que o imperador não alcançou mérito algum, pois tudo fez por puro interesse de mérito.

Alguns autores afirmam que o imperador teria perguntado se, com isso, ele iria para o “céu”, e Bodhidarma teria respondido que não, que ele iria para o “inferno”, pois suas ações foram motivadas por interesse e não por virtude. O imperador acreditava ter feito muita caridade. De fato, ele ajudou, e muito, o crescimento do Budismo, o que era visto por muitos como caridade. No entanto, nossas ações não são moeda de troca para se alcançar um estado elevado de consciência, o céu ou a luz. Ajudar ao próximo é bom, mas nem sempre quem ajuda tem paz para si mesmo. Ajudar ao próximo é muito importante, mas ajudar a si mesmo é fundamental.

A maior caridade é o despertar para a verdade maior; a maior caridade é tomar consciência de quem somos; a maior caridade é a autorrealização.

Ninguém pode dar o que não tem. A caridade real só existe quando praticada com desapego, virtude, amor, verdade e isenção de julgamento. Dar coisas ou dinheiro aos outros pode ajudar, dar comida é importante, dar atenção é essencial, mas dar amor é divino. Em grego, a palavra caridade (caritas) é uma forma de amor. Amor é algo que, quanto mais se dá, mais ainda vamos ter. Por isso, um koan budista diz que, para quem tem um cajado, outro lhe será dado e, daquele que nada tem, mais lhe será tirado. O que quer dizer que, se você não ama o que tem, até isso lhe será tirado, mas para quem ama o que tem, mais ainda lhe será dado. E é aqui, e apenas aqui, que vale a sentença de que “é dando que se recebe”.

Sem amor e verdade, não existe caridade. Não adianta nem fazer caras e bocas de santo, não adianta vestir a pele de cordeiro, não adianta chorar e fazer voz de criança, muito menos assumir o papel do moralista. A verdade é muito maior do que todas as nossas desculpas, medos, fraquezas e expectativas.

Bodhidarma era um homem forte, de aspecto quase rude. Foi ele quem trouxe a arte marcial para o templo shaolim, o Kung-fu. Era filho de um rei no sul da Índia e já havia renunciado ao reino de seu pai em busca da verdade. Ele não agia para agradar às pessoas e não podia ser comprado. Era um virtuoso nato como o próprio Buda (Sidharta Gautama). A lenda diz ainda que o imperador seguiu Bodhidarma para ser instruído e iniciado no caminho zen. Por meio da meditação, o imperador alcançou a paz almejada. Esta paz, por si só, é o céu tão esperado e que pode ser vivido em qualquer lugar do espaço e do tempo.

Fonte – Umbanda Eu Curto